Às vezes, quando a noite vem caindo,
Tranquilamente, sossegadamente,
Encosto-me à janela e vou seguindo
A curva melancólica do Poente.
Não quero a luz acesa. Na penumbra,
Pensa-se mais e pensa-se melhor.
A luz magoa os olhos e deslumbra,
E eu quero ver em mim, ó meu amor!
Para fazer exame de consciência
Quero silêncio, paz, recolhimento
Pois só assim, durante a tua ausência,
Consigo libertar o pensamento.
Procuro então aniquilar em mim,
A nefasta influência que domina
Os meus nervos cansados; mas por fim,
Reconheço que amar-te é minha sina.
Longe de ti atrevo-me a pensar
Nesse estranho rigor que me acorrenta:
E tenho a sensação do alto mar,
Numa noite selvagem de tormenta.
Tens no olhar magias de profeta
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas...
Adivinhas... Serei a borboleta
Que vendo a luz deixa queimar as asas.
No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento
Esta vontade que se impõe à minha...
Nem me revolto... cedo ao encantamento...
— Escrava que não soube ser Rainha!
Fernanda de Castro, in "Antemanhã"