quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Meditação



Às vezes, quando a noite vem caindo,

Tranquilamente, sossegadamente,

Encosto-me à janela e vou seguindo

A curva melancólica do Poente.


Não quero a luz acesa. Na penumbra,

Pensa-se mais e pensa-se melhor.

A luz magoa os olhos e deslumbra,

E eu quero ver em mim, ó meu amor!


Para fazer exame de consciência

Quero silêncio, paz, recolhimento

Pois só assim, durante a tua ausência,

Consigo libertar o pensamento.


Procuro então aniquilar em mim,

A nefasta influência que domina

Os meus nervos cansados; mas por fim,

Reconheço que amar-te é minha sina.


Longe de ti atrevo-me a pensar

Nesse estranho rigor que me acorrenta:

E tenho a sensação do alto mar,

Numa noite selvagem de tormenta.


Tens no olhar magias de profeta

Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas...

Adivinhas... Serei a borboleta

Que vendo a luz deixa queimar as asas.


No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento

Esta vontade que se impõe à minha...

Nem me revolto... cedo ao encantamento...

— Escrava que não soube ser Rainha!


Fernanda de Castro, in "Antemanhã"