domingo, 30 de novembro de 2008

Bela adormecida

Adormeceu num leito desconhecido
Ante um tropel de emoções
Que ainda não consegue descrever.
Nessa noite, foi como se o Mundo
Tivesse enlouquecido
Esquecendo a condição de todo o Ser.
Paisagem de desalento
A que se afigurou antes de cerrar o seu olhar:
Um calafrio percorreu o seu corpo;
Os seus sentidos ficaram entorpecidos;
As suas palavras, essas, não foram comedidas,
Mas elevaram uma voz há muito calada...
Aí surgiu o caos!?
A multidão aplaudiu em uníssono
Aquela que viria a ser a última aparição
Da poesia em seu livre arbítrio.
Noite gelada por palavras que não esqueço;
Julgamentos que não mereço
E que não mais esquecerei.
O acto livre de me expressar
Foi tão somente o que usei,
Deverá ser caracterizado
Como uma arma carregada
Que, indignada, disparei?
Não! A menos que a deturpação
Da realidade seja um argumento.
Não regresso ao passado.
Vivo o presente.
Sonho um futuro, diferente.
Mas ela, a musa dos meus sentidos,
Rendeu-se ao cansaço.
Refugiou-se num tempo mitológico,
Em que o reino da sabedoria
Estava mais perto de evoluir.
Hoje, ela é a bela adormecida,
Que despertará num momento indeterminado.
O corpo da minha poesia está ferido, minado
Por um exército de hipocrisia.
Aguarda o beijo sereno
De um mágico chamado tempo,
Pois só então saberá

Que chegara de novo o seu momento.

domingo, 16 de novembro de 2008

Escrita e Interpretação


Sócrates: Você sabe, Fedro, esta é a singularidade do escrever, que o torna verdadeiramente análogo ao pintar. As obras de um pintor mostram-se a nós como se estivessem vivas; mas, se as questionamos, elas mantêm o mais altivo silêncio. O mesmo se dá com as palavras escritas: parecem falar conosco como se fossem inteligentes, mas, se lhes perguntamos qualquer coisa com respeito ao que dizem, por desejarmos ser instruídos, elas continuam para sempre a nos dizer exactamente a mesma coisa. E, uma vez que algo foi escrito, a composição, seja qual for, espalha-se por toda a parte, caindo em mãos não só dos que a compreendem mas também dos que não têm relação alguma com ela; não sabe como se dirigir às pessoas certas e não se dirigir às erradas. E, quando é maltratada ou injustamente ultrajada, precisa sempre que o seu pai lhe venha em socorro, sendo incapaz de se defender ou de cuidar de si própria.

Platão, in 'Fedro'

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Juventude em alvoroço

De artista a louca

Ainda hoje dou por mim parada no tempo relembrando passagens caricatas da minha vida estudantil. É extraordinária a forma como podemos retornar ao passado à velocidade da luz!
Numa altura em que o meu bilhete de identidade me situava cronologicamente nos dezasseis anos de idade, a minha mãe decidiu situar-me no tempo e no espaço... E, o facto é que a elaboração do enorme questionário que fez para ser minuciosamente respondido por mim, surtiu o efeito desejado; tal como toda a gente, o que ela pretendia era compreender o porquê de eu ter enveredado pela vida artística. Não nego que na altura me tenha engasgado um pouco a fazer esta “prova oral”, mas o resultado foi positivo ou pelo menos suficiente.
A principal ideia que o seu poder maternal tentava descodificar era a mais generalizada naquele tempo e não deixa de o ser nos dias que correm: a ideia da excentricidade de um artista irreverente, sempre associada à patologia de uma loucura cuja cura nenhum indivíduo sequer se atreveu a discutir.
Por muito que me tentasse abstrair desse rótulo de louca, o fervor e a ânsia de criar mais e com mais originalidade levava-me a flutuar nas nuvens... Um dia pela manhã, ao dirigir-me para o colégio achei que talvez devesse confrontar os meus colegas de turma com essa ideia que me tinham impregnado no sangue e que, por vezes, me alterava o fluxo sanguíneo. Abordei-os directamente, sem muitos rodeios e, qual não foi o meu espanto, quando se riram da minha indignação por ter sido rotulada dessa forma! Afinal, num ponto os meus pais tinham razão: eu andava mesmo abstraída da realidade! Se assim não fosse, ter-me-ia apercebido que toda a turma da área de artes do colégio, era apelidada de turma dos loucos. Depois do primeiro impacto denotei que o meu sangue circulava mais fluentemente e eu inspirava e expirava mais profundamente, num dialecto de quem mesmo indignada se sente aliviada.
Os momentos que se seguiram foram de risos e brincadeiras de jovens excêntricos que, uma vez obtida a fama, daí tirariam o devido proveito. Ao suar da campainha, a azáfama total: atropelos pelos corredores imensos parecendo não ter fim nessa hora; piropos atirados para o ar na esperança de que algum “louco” o agarrasse e demonstrasse a sua fúria de forma jocosa, etc.
Com o evoluir do ano lectivo, surgiu a necessidade peremptória de adaptação de cada um de nós à abordagem de temáticas que exigiam mais estudo e investigação. É neste preciso momento que revejo os meus ideais de vida; as vivências que nunca esquecerei porque serão eternamente uma fonte de sabedoria; olho com olhos de ver o futuro e defino metas a cortar, independentemente da forma como o tenha de fazer! Sobretudo, parei por instantes e, absorvida pelo eco do rótulo de “louca” nos meus ouvidos, decidi viajar até aos nossos artistas antepassados por forma a descobrir qual a origem e validade/ autenticidade do mesmo.
Disposta a viajar no tempo com toda a determinação, fui até à biblioteca mais próxima e devorei livros que continham biografias de grandes homens e mulheres da antiguidade, das mais diversas áreas. Fiquei estupefacta! As palavras: loucura e excentricidade, eram uma dominante naquilo que servia de documento de identificação de cada um desses indivíduos. Motivo?! Talvez um único: a forma de estar, de viver a vida de forma intensa como se de um último dia se tratasse e, o mais importante, o modo sui generis de agir e criar sem medo de represálias.
Suspirei de alívio, confesso! Afinal, a realidade dos factos provinha dos tempos mais remotos e eu, súbdita escrava do tempo laborava nessa mesma labuta.
Desde então, adoptei essa loucura como um traje de cerimónia do qual me envaideço, pois cada recorte de tecido constitui uma motivação para enfrentar o mundo!
Não o faço de uma forma superficial, mas penetro nas suas entranhas e moldo-o com a minha sensibilidade.
É o meu mundo! Cada indivíduo tem o seu. Porquê cercá-lo de preconceitos e estereótipos se cada qual é cada qual e a vida é para ser vivida e sentida como uma maré alta em dias de vendaval?!