Finge a verdade, mas não invoques a mentira!
Cada dia que atravesso neste calendário da vida, me convenço mais que pessoas há possuidoras do seu próprio dicionário. Palavreado sem fim, contudo, com uma só finalidade: fazer reflectir num espelho reluzente o carácter de uma personagem infinitamente bondosa e prestável.
Não me agrada o facto de falar na minha pessoa nestas circunstâncias, ainda mais sendo eu quem dita as palavras ao papel, todavia, algures no passado vivi uma experiência que não foi de todo gratificante e, por isso, a partilho com a gente comum.
Numa altura em que a minha vida sentimental oscilava como um barco quase a naufragar, conheci um outro alguém. A fragilidade; a carência afectiva e a necessidade de partilha de confidências era peremptória e, nessa tempestade de areia, deixei meus olhos se vendarem. Subitamente, rumo à raiz de um pecado chamado traição!
Tinha uma relação que não estava na melhor fase, é certo, mas fugir envolvendo-me com outra pessoa?! O resultado não poderia obviamente ser satisfatório ou, bem vistas as coisas, poderia mas momentaneamente. Fingi uma verdade na qual eu mesma queria acreditar!
Toda e qualquer relação amorosa independentemente dos dois seres que lhe dão cor, tem momentos mais e menos bons. A cegueira da conquista de um ideal de amor sem barreiras, eleva-nos a um patamar no qual nos negamos a aceitar a nossa condição de ser humano: nascemos; vivemos e morremos. Ou deverei antes dizer: nascemos a sofrer; vivemos sofrendo e morremos de sofrimento? Drama?! Não, verdade da realidade na sua essência mais pura.
No momento em que este envolvimento afectivo acontece, o cenário que ilustra a minha vida profissional não é também muito animador. E é neste contexto de crise existencial que a pessoa que aparecera na minha vida, levando-me a agarrar e a deixar-me prender nas teias da traição, adquire o papel de protagonista. A nível profissional, além de buscar incessantemente algum trabalho que me permiti-se honrar os meus compromissos e sobreviver nesta selva social em que nos inserimos ainda hoje, tinha uma efectiva carência económica, na altura impossível de ultrapassar sem a ajuda de terceiros.
Que melhor protagonismo senão aquele em que a personagem principal é bondosa e prestável, nada pedindo em troca? Foi este o papel que ela vestiu na sua pele: a troco de nada, ou seja, independentemente daquilo que pudesse vir a acontecer entre nós; dos nossos sentimentos futuros; haveria sempre uma amizade e, os amigos, como ainda hoje há quem acredite, servem para as ocasiões. Insistentemente ofereceu-me dinheiro emprestado sem qualquer prazo ou condições (palpáveis) de pagamento. Na aflição do momento e, como eu já tinha estado no mesmo papel, consenti que me emprestasse o dinheiro e agradeci.
Nas voltas e reviravoltas da vida, encontrei-me depois de me ter perdido num mar de sentimentos e, o afastamento em relação a essa pessoa, foi iminente. Claro está que fiz questão de salvaguardar o meu não esquecimento da dívida contraída para com ela, contudo, nem toda a gente sabe perder. Como nada mais poderia haver entre ambas além de uma amizade, o ataque felino de olhar traiçoeiro teve um início repentino. Sentia-me como um objecto! Negava-me a acreditar que o dinheiro me tivesse sido emprestado com segundas intenções. O pagamento seria feito sem prazo concreto marcado, mas ao longo do tempo que ela achasse pertinente. Por muita relutância que me cause esta situação, o objectivo do empréstimo foi manter-me a seu lado num misto de pena e gratidão.
As formas de pagamento para ela passavam sempre por “dinheiro” em géneros; gestos e atitudes; incluindo obviamente um assédio constante para sua satisfação sexual. Eu via-me ao espelho e cobria-o um nevoeiro que não me deixava enxergar claramente! Foi num dia repleto de sol e de luz, que afastei definitivamente esse nevoeiro da minha estrada. Enfrentei a mulher com desdém e revolta, terminando todo e qualquer tipo de laço que pudesse ainda existir entre nós.
O eco que derrubou tudo em meu redor, saiu de um grito gigantesco proveniente dos seus pulmões:
- Depois de bem pensar nem mereces que fale contigo, achas-te importante de mais, mas nunca te esqueças de mim; eu só te esqueço depois de ter o que meu.
Desde então, as palavras que soltei sem rumo nem porto, mas com um destino determinado, ecoaram e ecoarão eternamente em seus ouvidos. A minha verdade está clara, límpida e nítida como a água, mas a dela será uma verdade fingida na altura? Se assim é posso até tentar entender. Todavia, a ti, dona da razão e da tua verdade omitida, não perdoo num sentido único; além de fingires uma verdade com todo o teu cinismo, invocaste uma mentira que gritaste aos quatro ventos difamando-me em cada pedaço de solo que pisavas, pois para ti, eu tinha feito mil e uma juras de amor quando, na realidade, nem uma só te fiz!
Conselho de um sábio em fase de aprendizagem: não invoques a mentira a menos que queiras criar um estado de vida inerte e taciturno para ti própria!